PRISIONEIRO

O sol morreu.

Seus raios já não me tocam.

A vida, aos poucos, foge-me sorrateira.

Estou só. Tão só…

Meus pensamentos me atormentam,

o espaço me sufoca.

Agarro, com desespero, os frios metais

que ferem minha liberdade.

Resisto ao vazio que invade meu caminhar.

Já não sei sorrir. Revolta-me a liberdade.

Meus olhos já não vêem o horizonte

Teceu-me dos homens a rede.

Conversar, amar – é um preço muito alto.

Prostitutas sorridentes, mal cheirosas

sussurram ao meu ouvido seu preço.

Despem-se sem pudor.

Deitam-se lascivas, imorais.

Entregam-se impassíveis, sem amor.

Sua carne, também marcada,

cala minha alma.

e.s.

REVOAR

Manhã turva, sol obscuro.

Luz? Apenas um raio distante,

iluminava acanhado.

A esperança.

Procurar – a opção.

Encontrar – um sonho eterno.

Vã tentativa.

Haverá sempre um revoar?

O sol tece a manhã,

o dia… a vida;

o sonho torna-a suportável.

Mesmo fugaz brilho atrai.

Mantém viva.

A chama da esperança.

e.s

ILUMINISMO

O Iluminismo,

a glória dos passados.

Homens rotos,

vislumbres de horizontes tortos.

A ascensão do comum,

A alegria do ver,

Verdade da vida,

Na queda do absoluto.

O romântico sonho

Traz o passado

No anseio do presente,

O irreal fugidio.

O nada é cantado,

A ilusão predomina.

Fuga, vazia fuga,

Inconsciente alimento da dor.

e.s.

CAMINHAR

Madrugada, morte e manhã.

Suspiros últimos, desesperos.

Agonia e dor.

Tudo súbito, momentâneo.

Morte – a igualdade.

Drama atual,

Invadiu os lares,

Entristecendo, a despeito.

Vida lesionada.

Caminho – conduz a nada.

Cabresto, viseira, antolhos.

Perspectivas de viver melhor.

Gritos, lamúrias, conformação.

Fuga, caminho e revolução.

Um destino, ou um caminhar.

Fim último a entornar.

e.s.

HORIZONTES

Ontem parecia sol brilhante.

Emanava calor, energia.

Hoje, embalde chora.

Vê brotar a luz, a esperança.

O caminhar o mutilou.

As montanhas foram inexpugnáveis.

Cocho caminha.

Agarra-se a uma tênue visão.

Luta como um leviatã,

Que, mesmo quebrantado,

Bate suas enormes asas.

Não morrerá na queda.

O viver o marcou eterno.

Forçado ninguém aceita.

A dor trespassou seu peito.

Distante sonha o retorno.

e.s.

REGINA

Hoje você parte da minha saudade.

Deseja tanto te falar, ouvir tua voz, amar-te.

Procurei teu rosto em cada transeunte que passava nas ruas por onde, sem rumo, andava. Inútil. Você não estava em nenhum deles.

Reli tuas cartas, já ameaçadas pelo tempo mefistofélico e pelas traças.

Revi teus retratos, também já amarelados.

Voltei ao passado e me vi na Fazenda “Ilusão”, de propriedade do velho Manoel Pereira, teu pai.

Manoel Pereira, meu amigo, bonachão, hospitaleiro e rudemente decidido. Preso a preconceitos os mais profundos em relação ao sexo feminino.

A tez queimada desse homem bochechudo demonstrava bravura na lide cotidiana da fazenda.

A circunvizinhança tinha verdadeira afeição por esse homem devido ao modo justo e bom com que resolvia as demandas surgidas em sua propriedade.

Grande sujeito esse velho, possuidor de uma larga visão bruta e grande autoridade moral. Manoel Pereira era o pai de meu grande amor, Regina, e ela a razão da existência do pai.

Regina frágil, Regina feminina, Regina meiga, submissa em sua obediência filial, tímida em sua sertanice pura. Talvez os anjos houvessem descido sobre sua cabeça, derramando fada numa serenidade realçada nos seus olhos que desconheciam a malícia humana, o mal habitante das horas.

– Regina, na prisão dos seus braços acariciantes eu me sentia numa feliz liberdade.

– Regina a vida é tão insípida sem você. Seus olhos cinza mongólico me martirizam noite e dia.

– Regina, meu grande amor…

– Estou com tudo embargado dentro de mim, gostaria tanto de poder te dizer mais alguma coisa, mas não posso, pois isto só serviria para me lacerar e aumentar uma chama que está fadada a se consumir.

– Regina, por que me abandonaste?

Escrevo estas mal rabiscadas linhas, inutilmente. Sei que não lerás. Sei que não chegará às mãos da destinatária.

Não existem correios para o céu.

VÓRTICE FINAL

O céu está fechado, parece prenunciar tormenta.

As pessoas, insensíveis, sorriem à larga.

O sol lança alguns acanhados raios.

O mar – gigante indomável – geme, lançando espumas para o ar, num eterno desafio.

Um belo contraste se desenha no horizonte.

De um lado, a claridade é-nos promissora.

De outro, o escuro dá-nos a sensação de vazio, de fim.

É um monstro silencioso que envolve tudo inexoravelmente.

Calmamente, o vento continua a soprar.

Parece temer a fúria iminente.

Escorrega docemente, como se todos estivessem doentes

E doloroso despertar ameaçasse.

O farfalhar das palhas dos solitários coqueiros é hesitante.

O ronco longínquo de um braco desperta pela sua lentidão.

A cor, a esperança, a vida… tudo, enfim, teima

Em se agarrar numa tênue lembrança viva.

O desespero toma conta espraiando uma lassidão irritante.

Alguns, põem-se de pé, sacodem-se,

Na vã tentativa de despertar,

De lutar,

De afastar,

De aproximar,

De beber,

De vomitar.

Debalde, entregam-se impotentes, vencidos.

Outros, apenas aceitam.

Estiram-se dolentemente como se pretendessem repousar eternamente.

São dominados, possuídos…

Bizarras personagens – muito próximas de coisas – anunciam a desgraça com entristecimento.

O fim está perto.

Nota-se nos sorridos desesperados,

Nos gestos forçados,

No poder assombrado,

No mundo acabado,

No braço estirado…

É o fim… está acabando.

Agora, o sol brilha prata sobre uma nesga de mar.

É o fim…

O tempo parece diminuir seu ritmo.

Os gestos são indolentes,

Esparsos,

Pungentes…

Somos levados por um hipnótico vórtice.

Afundamos misturados, iguais.

As caras são uma só e se voltam desesperadas.

Os braços se levantam como a pedir clemência.

Um grito uníssono se faz ouvir – longo, sofrido…

Tal como se o véu da eternidade se abrisse e a todos e a tudo quisesse engolir.

É o ocaso,

É a trombeta.

Uma imensa porta-alçapão se fecha num baque surdo,

Leve,

Troante…

Tal fosse uma ordem, tudo fica silencioso.

Uma nova brisa, agora, toma conta do espaço rasteiro.

Avança, lenta e ininterrupta,

Igual pesadelo vazio

Tudo foge, escoa…

A luz.

A cor,

A porta,

A névoa… tudo,

Tudo vai desaparecendo.

Uma escuridão melancólica toma conta lentamente.

Já não existe nada.

É um túnel imenso, vazio, onde tudo vai sumindo…

Sumindo,

Sumindo…

VIANDANTE

Quem é aquela?

Todos se perguntam quando ela passa.

Sempre de cabeça baixa,

Vergada sob não se sabe qual peso.

Talvez da consciência.

Talvez, vencida e humilhada, curve a fronte para não ter que explicar que não conseguiu.

Vê-se apenas ela.

Quase transparente.

Vagando num monótono arrastar de pés.

Imperturbável em sua caminhada.

O rosto triste é marcado pelo tempo,

O olhar é inseguro,

Vazio,

Abstrato.

Os lábios finos e secos,

Talvez só tenham conhecido o sorriso da inocência.

O cabelo é desgrenhado.

A pela macilenta mal encobre os ossos que teimam em aparecer.

Mas ela continua a andar, parece uma jornada.

Poucos nela prestam atenção, Ninguém nunca se interessou por ele.

Se foi amado, há muito deixou de conhecer esse sentimento.

Jamais alguém perguntou se ele sente dor,

Frio,

Solidão.

É um morto vivo.

Todos pensam que devem desprezá-lo,

Humilhá-lo.

As crianças jogam-lhe pedras,

Vaiam-no, apelidam-no.

E os adultos?

É um pobre coitado,

Não teve coragem de enfrentar a vida.

É um derrotado.

Um fraco.

Devia morrer, pra que serve?

Ele não sente nada.

Já foram tantos os sofrimentos que o tornaram insensível.

Ôntico.

Ele segue adiante,

Sempre pra frente.

Parece que tem um destino.

Não procura a morte, caminha ao encontro dela.

Tenta diminuir a estrada.

Não tem nome.

O louco – é como o chamam.

Lá vem o louco – dizem.

E ele, o que ele pensa?

Nada. Sua cabeça é um poço escuro onde tudo se confunde..

Ódio,

Desdém,

Ingratidão,

Traição,

Miséria…

Será que esse pobre viandante, um dia sentiu

O reconhecimento,

A alegria,

O conforto,

A gratidão,

O amor…

Vê-se nele apenas o molambo que ele é.

E nos pensamos com o direito de censurá-lo,

De julgá-lo,

De criticá-lo.

Dele, pouco sabemos.

Vemos apenas que ele é real.

Que caminha sem abrigo,

Sem amigos,

Sem sorrisos,

Completamente só.

Até que se curve ainda mais,

E cada vez mais,

Em busca de uma das poucas coisas que é comum a todos:

A morte.

Morrer completamente.

“UM DIA DE CHUVA É TÃO BELO COMO UM DIA DE SOL. AMBOS EXISTEM, CADA UM COMO É”.